segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Resenha #81 - Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley)

"Admirável Mundo Novo", (1931) de Aldous Huxley, junto com "1984", de 1949, de George Orwell e "Fahrenheit 451" (1953) de Ray Bradbury formam o trio de distopias clássicas conhecidas também como Ficção Cientifica Social. Seguindo os passos da Utopia de Thomas Morus em usar a ficção para pintar um mundo ideal com alto teor político, com a diferença de que o mundo pintado por Huxley, Orwell e Bradbury são os mais terríveis possíveis, onde além de mostrarem os medos de sua época temos vislumbres do que temos hoje, dando as três obras tons proféticos que não eram necessariamente pretendidos pelos seus autores.

Agora voltando-se para "Admirável Mundo Novo", Huxley nos mostra um mundo 700 anos no futuro onde a dominação se dá desde antes do nascimento dos seres humanos. Todos são produzidos em série e condicionados genética e comportamentalmente a aceitarem suas posições na sociedade e a nunca questionar. Trata-se de uma via de dominação sem  base na violência explicita e vigilância absoluta, como em 1984, ou retirando os meios de pensamento mais complexo, como em Fahrenheit 451, mas impondo uma felicidade artificial induzida pela droga oficial, o Soma.

Na obra, podemos dividi-la em duas partes: na primeira, acompanhamos Bernard Marx, (o nome Marx não está lá de graça) um cidadão desajustado pelo seu físico não ser igual aos de sua classe que resolve procurar fora da civilização respostas para seus anseios e nisso somos apresentados ao mundo distópico da obra. Na segunda parte, conhecemos John um "selvagem" de uma reserva histórica onde ainda resistem as instituições e tradições de nosso tempo como o casamento, família e nascimento natural de bebês. John assume o protagonismo da história com seus questionamentos e todo choque que sua presença causa nesse Admirável mundo novo.

A escrita de Huxley é bastante ágil e nos apresenta o seu mundo com bastante naturalidade, o mundo já impressiona por si. Ainda que a leitura seja truncada na segunda metade da primeira parte,  quando John assume a história o livro melhora muito até o seu desfecho. Considero que Huxley vai mais longe que Orwell, pois ele expõe com mais precisão o lado não-violento sua imaginação distópica da dominação do homem pelo homem. O que pode atrapalhar o leitor nessa jornada são as muitas referências a obra de Shakespere, pois é com suas obras que o Selvagem John se comunica com o mundo. O livro é bem aproveitado mesmo sem essas leituras, mas acredito que algo da experiência se perca sem elas. Ainda assim é um livro essencial para quem aprecia Ficção Científica e/ou aprecia ficção pelo teor político, e confesso que já deveria ter lido a muito tempo mas antes tarde que nunca.
Leia Mais ››

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Resenha #80 - As Águas-Vivas não sabem de si (Aline Valek)

"As Águas-Vivas não sabem de si" é uma FC de 2016 escrito por Aline Valek. É um pouco diferente das obras de FC publicadas no Brasil pois não tem o apelo ao nicho de leitores. O que é bem vindo, pois apesar de importante existir um nicho de escritores/leitores de Ficção Científica, tampouco é saudável ficar restrito apenas a ele. A obra é competente em trazer densidade na construção dos personagens e na criatividade em muitos momentos na narração.

A protagonista é Corina, uma mergulhadora experiente contratada para testar um novo traje de mergulho em águas profundas. Na estação Auris, ela e a equipe vão explorar sinais de cachalotes e se deparam com mistérios abissais e conflitos internos que vão movimentar a trama.

A ambientação de exploração no fundo do mar não é novidade mas a abordagem faz toda a diferença: a busca pelo desconhecido, me remete a Solaris de Stanislaw Lem, mas o desconhecido se apresenta de forma muito mais sutil que na obra de Lem, pois existem capítulos muito criativos com pontos de vista inusitados e filosóficos que evitam que a Ficção Científica fique sutil demais. Os dramas de Corina e dos demais membros da Auris são bem apresentados mas não tão desenrolados na trama, o que de fato não chega a prejudicar a obra pois evita que o livro se estendesse demais e acertar o prumo nos mistérios, que são o que mais instigam saber. 

A edição como um todo é muito bonita e bem feita. A escrita busca mais sensibilidade e filosofia que a linguagem científica, e as voltas no passado e reflexões podem desagradar quem espera grandes movimentações na história ou o lado aventuresco de uma expedição científica. Para quem estiver disposto a mergulhar em si, como eu me dispus quando fiz a leitura, "As Águas vivas não sabem de si" é uma boa pedida.
Leia Mais ››

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Resenha #79 - Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)

Por que resenhar um livro clássico da literatura brasileira em um blog de Ficção Cientifica (e Fantasia)? Basicamente pelo mesmo motivo que resenhei Número Zero de Umberto Eco e A Metamosfose de Franz Kafka: não tenho (nem pretendo ter) outro blog de literatura, então posto neste aqui mesmo. Contudo, Machado de Assis é irresenhável, devido a quantidade de estudos densos a qual suas obras já foram dedicadas, sendo assim  possível apenas recomendá-lo e dar alguma porção de motivos.

É com essa intenção que venho-lhes dividir algumas considerações sobre  "Memórias Póstumas de Brás Cubas". A história tece uma narrativa autobiográfica sobre a vida de Brás Cubas que uma vez morto resolve tecer suas memórias, ou seja, temos um narrador morto. Esse ponto de vista inusitado dá um sabor irônico e filosófico a leitura. Machado busca com isso fugir tanto do Romantismo (pelo excesso de fantasias) quanto do Naturalismo (pela necessidade de explicar tudo cientificamente). Afinal de que importa saber como Brás Cubas trouxe a tona memórias depois de morto? Porque ele trata de assuntos mundanos conhecendo a eternidade e o que há do outro lado da vida?

Tudo isso regado a pessimismo, e um pouco ou talvez muito de biografia do próprio autor que assim como Brás Cubas, não deixou filhos e, até o momento em que escreveu este livro, não havia alcançado fama. Pois antes de encontrar a própria morte, Machado de Assis ainda viveu para ser o primeiro presidente da Acadêmia Brasileira de Letras.

A leitura da obra acaba sendo influenciada negativamente pela obrigatoriedade de sua leitura nas escolas, o que tira muito da potencialidade de captar o humor e ironia de seu pessimismo. Mas como aproximar o leitor escolar dos clássicos é outra conversa. Para aqueles que conseguiram desfrutar dos seus escritos, encontram um excelente livro que, sempre tem lugar na lista de releituras, pelas ironias que passam desapercebidas na primeira leitura. Deixo, além da minha recomendação, a cativante dedicatória do início do livro: 

“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.”
Leia Mais ››

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Resenha #78 - As Tumbas de Atuan (Ursula K. Le Guin)

"As Tumbas de Atuan" de Ursula Le Guin é a sequência de um clássico da Fantasia, "O Feiticeiro de Terramar", mas não é uma sequência padrão em que mostra mais uma aventura de nosso herói, ao menos não em sua visão. A história segue Tenar, uma menina que é recrutada para ser a sacerdotisa única do culto sombrio dos Inominados e passa a se chamar Arha, onde passa a viver reclusa em função de seu sacerdócio. Uma de suas funções é guardar as tumbas de Atuan, local de deuses inomináveis e tesouros mágicos.

Uma das coisas que pode decepcionar o leitor é que Ged, o lendário mago do primeiro livro, demora bastante a aparecer e ao desavisado pode não entender que este não é um livro sobre Ged, mas sobre Tenar. Outra diferença é que a primeira história se passa explorando as ilhas de Terramar, enquanto a sequência se passa praticamente na ilha onde Tenar vive reclusa. Logo, o que pode desmotivar o leitor é apenas uma falsa expectativa em relação ao livro.

"As Tumbas de Atuan" mostra uma protagonista com profundidade e simplicidade, como no primeiro livro, mas de forma diferente do primeiro porque não se trata da sequencia aventuresca padrão de Fantasia, e sim uma nova jornada sobre o ser humano do início ao fim. Ao fim do livro, somos brindados com mais um pósfácio da autora em que ela esmiúça as diferenças e semelhanças entre Tenar e Ged, muitas delas em função do gênero, mostrando que esta é uma ótima sequência para quem tiver o coração aberto para o novo.  
Leia Mais ››

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Resenha #77 - Sonhos Elétricos (Philip K. Dick)

"Sonhos Elétricos" é uma bela surpresa para quem aprecia a obra de Philip K. Dick, pois é fruto de uma série de adaptações inéditas de contos para a série de mesmo nome da Amazon. Nesta resenha vamos comentar cada um dos 10 contos em separado, seguido de um breve comentário do respectivo episódio da série sem fornecer spoilers de nenhuma das produções. 

Peça de Exposição (Exhibit Piece): George Miller vive três séculos no futuro onde é um historiador fascinado pelo século XX, pelo sonho americano e pelos valores de liberdade e riqueza. Miller é curador do museu de História e acaba se transportando para os anos 50 onde passa a viver feliz, mesmo consciente das duas realidades. O conto encerra com o melhor do humor irônico do autor. No episódio da série (Vida Real), no entanto, opta por um caminho mais dramático para mostrar uma policial lésbica atormentada por uma perda que busca um simulador de outra vida tão real, a de um homem, empresário que passa a questionar sua realidade, achando que é a policial do futuro. A série muda todos os personagens e história pegando apenas o fio condutor do personagem viver em duas realidades.

Autofab (Autofac): O conto mostra um grupo de sobreviventes num futuro pós-guerra tentando parar a produção de uma fábrica automatizada que tem devastado os últimos recursos naturais mesmo tendo se passado anos do fim da guerra. O diferencial aqui é como a Inteligência Artificial se mostra desastrosa, não por se rebelar contra o ser humano mas justamente por fazer o que lhe foi designado. A autofab produz bens de consumo, seguindo o objetivo máximo de produção programado pelos próprios humanos. Uma alegoria simples mas contundente para o capitalismo desumano e desenfreado. Casa bem com as reflexões de Chamayou em seu Teoria do Drone, resenhado neste blog.

Humano é (Human is): O conto se passa num futuro onde a vida é difícil e vive em guerra contra povos de outros planetas. Lester Herrick, um cientista frio e cruel com sua esposa Jill, que volta muito diferente após uma missão no planeta Rexor IV. O conto é curto e foi adaptado fielmente na série, exceto pelos nomes dos personagens que foram trocados e teve mais cenas (provavelmente para caber na média de tempo dos episódios da série), que não desviam da linha central do conto: "o que é ser humano?". Menção a Bryan Cranston interpretando Silas Rex no episódio.

Argumento de Venda (Sales Pitch): O conto acompanha Morris, um desiludido trabalhador atormentado pela vida pacata e esmagado pelo cotidiano repetitivo. Este cotidiano é representado pela pervasividade da propaganda na nossa vida. Temos o melhor da ironia do autor quando um AICAD, um empregado doméstico robô, entra no apartamento de Morris e não aceita não como resposta a proposta de se vender como produto. A ironia é levada até o limite no fim do conto. Ótima leitura! Já no episódio da serie (Crazy Diamond) fez pequenas alterações nos sonhos de Morris, interpretado por Steve Buscemi (ao invés de Alfa Centauri, velejar no mar sem destino) mas o AICAD foi substituído por uma androide femme fatale que o impele a buscar seus sonhos, o que deixou o episódio mais dramático e menos irônico, descaracterizando a forma de comunicação de Philip K. Dick.

O fabricante de gorros (The Hood Maker): Conto mostra um mundo vigiado ao extremo. As mentes podem ser lidas por mutantes telepatas, chamados de teeps, mas uma tecnologia simples e barata (os gorros) pode bloquear a habilidade dos teeps e colocando em risco o seu domínio e o regime como um todo. O conto tem uma virada excelente no fim das contas que mostra uma esperança pouco habitual nas suas histórias. No episódio da série, de mesmo nome, ao invés do ponto de vista do fabricante de gorros e de um membro pacato do governo, a adaptação mostra uma teep e Morris, um agente da lei (Richard Madden, o Rob Stark de GoT) investigando e perseguindo o fabricante. Infelizmente o aspecto politico mais interessante sobre a liberdade/privacidade X segurança é colocado em segundo plano, e o foco acaba sendo na teep que enfrenta preconceito ao servir a força da lei. Isso acaba por empobrecer a narrativa de forma geral.

Foster, você já morreu (Foster You're Dead): Mike Foster é um garoto que vive uma era de alta tecnologia mas com o temor de uma guerra nuclear e todos buscam adquirir um abrigo em suaves prestações. Contudo, o pai de Mike é o único da cidade que resiste a onda de consumo desenfreado pelo medo e não quer ter um abrigo. O conto aborda a falta de comunicação entre as gerações, e como o desejo de consumo devasta uma criança e uma sociedade, saciado ou não esse desejo. O ponto forte é o drama do protagonista. No episódio da série é o mais distante do conto de toda a temporada. Permanece, contudo o drama da falta de comunicação entre pai/filho, aqui com duas personagens mulheres. Neste futuro, os EUA estão divididos em duas regiões onde numa vive-se com privacidade, simplicidade e com pouca tecnologia, de onde uma representante viaja com sua filha até o outro lado, completamente vigiado e ultratecnológico. A menina se deslumbra com a tecnologia mesmo sob os protestos da mãe, gerando conflito e uma trama que infelizmente soou forçada pela ingenuidade da protagonista, e uma virada na história previsível.  

A coisa-pai (The Father-thing): O argumento do conto é parecido com o do livro Os invasores de corpos de Jack Finney (resenhado neste blog), mas aqui protagonizado por uma criança que descobre que seu pai foi tomado por um organismo alienígena. O conto é simples e aborda a questão de forma emocional, e passa longe da questão política do "invasor alienígena/estrangeiro" e fica na questão emocional, de um menino que descobre que seu pai virou um monstro. O episódio preservou sabiamente o núcleo do conto, colocando no nosso tempo mas sem ousar mais. Acho que justamente aqui a ousadia seria mais bem vinda nesa adaptação. Destaco a atuação de Greg Kinnear que ficou sinistro sem soar forçado no papel de Coisa-pai.

O planeta impossível (The Planet impossible): Conto curto porém emocionante. Num futuro onde a existência da Terra virou uma lenda, uma senhora de 350 anos está disposta a tudo para visitar o planeta. Andrews e Norton, pilotos de uma nave de aluguel, aceitam o trabalho mesmo não acreditando que a Terra exista, mas Philip K. Dick quebra a expectativa de realidade dessa história de forma emocionante. O episódio adapta e estende esse conto de forma igualmente emocionante e ainda traz elementos novos. Destaque para a Geraldine Chaplin, como a senhora do conto. 

O passageiro habitual (The Commuter): Neste conto Bob Paine, um pacato funcionário de uma estação de trem fica intrigado com Macon Heighs, uma estação de trem que não existe. Sua obsessão o leva a um lugar que o faz questionar a realidade. É uma abordagem clássica do autor que reflete sobre linhas temporais e decisões. O conto curto foi ampliado para caber no tempo de tela e as adições não comprometem o argumento geral, apesar da escolha do tamanho curto para essa da história por Dick tenha sido bem acertada.

O enforcado desconhecido (The Hanging Stranger): Ed Loyce encontra na rua de sua pacata cidade um homem enforcado numa placa de publicidade. Por que ninguém se importa com aquele homem? Quem era ele? O que ele fez para estar ali? São as perguntas que atormentam Loyce pois todos a sua volta o consideram anormal por se importar. O conto aborda dois temas muito caros para o autor: Empatia e paranoia. Temos apenas a visão de Loyce e por ele ser o único a pensar daquela forma somos levados a duvidar também do que ele vê. Ed Loyce é perdeu a noção da realidade ou nós é que baseamos nossa realidade num consenso da maioria? Temos aqui o Philip K. Dick em seu estado mais provocador. O episódio da série (Matem todos eles), faz uma abordagem politica da falta de empatia, em referência a Trump e o neofascismo de cada dia. Então não temos nada que remeta ao fantástico (alienígenas vistos por Loyce) mas temos exposto o núcleo duro do conto que mostra o monstro que habita em todos nós na sociedade.
Leia Mais ››

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Resenha #76 - Aniquilação (Jeff Vandermeer)

"Aniquilação" é o primeiro livro da trilogia Comando Sul, escrita por Jeff Vandermeer. Considerado um dos livros de New Weird ou Weird Ficcion, junto com os livros de China Mieville, buscam causar estranhamento no leitor. Aqui o objeto de estranhamento é a Área X. A história segue em relato em primeira pessoa de uma bióloga integrante da décima primeira expedição exploratória da Área X. Uma local isolado, onde a natureza tomou conta da civilização e cheio de perigos, pois todas as expedições anteriores fracassaram e poucas informações retornaram para preparar as missões posteriores.

A obra gira entorno do mistério da Área X, dos vestígios e relatos abandonados das antigas missões mas também nos trás uma personagem bem construída durante a obra toda. A bióloga, que prefere não revelar seu nome, se mostra uma pessoa reclusa, pouco sociável e abalada pelo fato de seu marido ter participado da décima expedição.

As colegas da bióloga (uma psicóloga, uma topógrafa e uma antropóloga) logo começam a se desentender quando as mentiras do Comando Sul, a organização secreta que organiza as expedições, veem a tona. Contudo, a revelação das mentiras e as explorações apenas aumentam o mistério ao invés de solucioná-lo. Os mistérios da Área X não são revelados, como se pode supor pela presença de mais dois livros da série e a sinopse dos seguintes já dizem se tratar de novas expedições ao local. Esse estranhamento causado pelo autor é tanto o grande trunfo do livro quanto seu maior defeito, pois a expectativa é um desfecho que traga satisfação após a agonia do mistério e não apreciar o mistério em si. Pessoalmente preferi embarcar na ideia do mistério e não criei expectativa de solução e isso ajudou a apreciar a obra melhor, mas entendo quem esperava mais. O que fica da leitura é a vontade de saber mais da Área X. Ainda pretendo ler os outros dois livros da série e ver o o filme que adaptou a obra feito pelo Netflix.
Leia Mais ››

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Resenha #75- Sabixões & Sabixinhos: Philosophus Brasilis (Sofia Soft, Teo Adorno)

Sabixões & Sabixinhos: Philosophus Brasilis é uma das obras mais recentes de Nelson de Oliveira, um dos autores mais prolíficos que tenho visto e acompanhado. Aqui ele assina com o pseudônimo de Sofia Soft e Teo Adorno. Nessa divertia coletânea de pensamentos que vieram para provocar e divertir. Os assuntos abordados são os mais variados, mas existe uma tendência a alfinetar o Brasil e o que é ser brasileiro. As passagens garantem reações que vão daquele sorriso no canto da boca, até paralisia temporária devido a reflexão digestiva do verso. O trabalho gráfico é uma atração à parte pois acompanha os toques ácidos e irônicos do texto. Leitura mais que recomendada!
Leia Mais ››

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Resenha #74 - Um Reflexo na Escuridão (Philip K. Dick)

Em "Um reflexo na escuridão" (A Scaner Dalky) Philip K. Dick traz um de seus livros mais tristes, pessoais (quase autobiográfico) de toda sua obra, na qual imergimos na loucura das drogas e na sanidade do mundo, que se mostram muito parecidos.

A história segue Bob Arctor, que vive em um futuro próximo, viciado em uma droga pesada chamada "Substância D". Bob passa os dias se chapando com os amigos, tentando transar com a amiga Donna enquanto busca sustentar seu vício. Bob também é um policial infiltrado com a missão de encontrar o fornecedor da droga. Em meio aos policiais Bob também vive disfarçado sob o nome de Fred e utiliza um traje que impede sua identificação pelos colegas enquanto vigia gravações de grampos na casa de Bob. Nessa vida dupla o consumo de "Substância D" vai aos poucos cindindo os hemisférios do cérebro de Bob/Fred em Bob e Fred. Os ambientes de disfarce do protagonista alimentam essa divisão e vemos isso como um processo de degradação da identidade ao longo da história e esse é o drama central da obra.

A edição da Aleph vem bem servida de extras: além da nota esclarecedora do autor o livro tem um artigo sobre a relação entre a obra e as descobertas neurológicas do período que mostra o quanto Dick estava sintonizado com a então recente teoria do cérebro dividido e, por fim, trechos de uma entrevista de Dick para um programa de Ficção Científica de uma rádio. As informações e análise desses extras, ajudam a entender a obra pelo ponto de vista do próprio autor e suas referências que vão de teorias neurológicas a textos bíblicos. A viagem dessa obra não existe projeções morais, diversão e muito pouco do humor característico do autor, que cedem espaço a densidade e tristeza inclusive na inspiração real dos personagens que eram amigos de Dick, suicidas e sequelados pelo uso de drogas no qual ele próprio se inclui.
Leia Mais ››

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Resenha #73 - O Espadachim de Carvão (Affonso Solano)

O Espadachim de Carvão de Affonso Solano, é uma aventura em um mundo de Fantasia (2013). Uma leitura leve que busca ser principalmente divertido, mas ao mesmo tempo tem a mesma missão difícil de qualquer livro de Fantasia: criar um mundo novo que seja atraente para o leitor. O autor usa e abusa de referências da cultura pop para conectar o leitor com o mundo de Kurgala, onde se passa a história.

A história conta sobre Adapak, alternando duas fases de sua vida. Uma conta sobre sua infância como filho de "Enki’När" (um dos quadro deuses de Kurgala) aprendendo sobre a vida, recebendo ensinamentos de seu pai e seus mestres e cuidadores, Barutir e Telalec. A outra parte é como Adapak busca respostas sobre sua origem enquanto foge de misteriosos atacantes que repetem como zumbis a palavra "Ikibu". Em meio a sua busca para resolver esse mistério muita aventura por cidades barulhentas, navios piratas, romances em um mundo perigoso e mágico com um protagonista inocente e em fase de amadurecimento.

A obra tem dois destaques que chamam a atenção: primeiro são as raças imaginadas pelo autor. Cabe ao leitor decidir se elas são mal descritas ou se a descrição sucinta delas atiça a imaginação do leitor, mas elas são muito interessantes e estranhas e remetem a revelação final do livro. O outro destaque,é o fato de Adapak ser um leitor voraz da série de livros "Tamtul e Magano", uma das muitas referências a influência dos livros de outros livros de Fantasia, brincando com a ideia dos clichês e os assumindo para que a obra não se leve tão a sério. E isso torna acaba servindo como um aviso ao leitor de obras pesadas de Fantasia para que não olhem o livro pelo que ele não é, nem por isso cheio de méritos e diversão.

Recomendo como uma leitura rápida e despretensiosa.
Leia Mais ››

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Resenha #72 - Dies Irae (Coletivo Tesla)

Hoje a resenha é da HQ brasileira Dies Irae de autora do Coletivo Tesla que produz quadrinhos independentes no RS e é formado por Frank Tartarus, Rafael Rodrigues, Adam Mariani, Thiago Danieli e Luciana Lain. Originalmente a série foi publicada no meio virtual em 2014 e em 2016 saiu a versão encadernada completa. A versão que adquiri foi em uma feirinha independente pelas mãos de Frank e do Adam.

Diferente dos livros que resenho, o visual da edição importa pois é através dele que absorvemos grande parte da história e aqui temos muito talento e capricho. A capa é em alto relevo e já percebemos tratar-se de uma história de conteúdo adulto. Para falar a verdade, conversando com os autores, anunciei que preferia uma história séria e sem final feliz e então Dies Irae foi colocada em minhas mãos.

A premissa é simples e ousada: Deuses de todas as culturas estão caindo mortos do céu e a história desenvolve a reação de pessoas comuns e de governos ao redor do mundo ao fenômeno. É instigante ver a tecnologia de um mundo tecnologicamente mais desenvolvido (parece se passar cerca de 20 anos no futuro) incapaz de explicar qualquer coisa e a abordagem filosófica fluir tanto nos traços e quanto nas caixas de texto. Um trabalho tão bom que deixa vontade de ler mais quando acaba. Muito recomendado. 
Leia Mais ››

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Resenha #71 - O Incrível Congresso de Futurologia (Stanislaw Lem)

O Incrível Congresso de Futurologia (1971), é uma Ficção Cientifica escrita pelo escritor polonês Stanislaw Lem, conhecido pela obra Solaris (já resenhada neste blog). Diferente do tom de mistério e solidão de Solaris, nesta obra Lem é extremamente irônico ao retratar a burrice da burocracia e a incapacidade de comunicação e compreensão entre as pessoas. 

A história segue Ljon Tichy, um estudioso que esta para participar do Congresso de Futurologia numa nação da América Central quando uma rebelião no país é deflagrada e Tichy acaba ferido e depois sendo congelado. Acordando mais de um século depois, nos anos 2080, Tichy se vê obrigado a lidar com um novo mundo, cheio de termos novos. Aqui temos uma dimensão da incapacidade de comunicar-se. O mundo tornou-se uma farmacocracia, onde todos se beneficiam do uso de substâncias químicas psíquicas para uma infinidade de usos: ler livros, aprender atividades, informar-se e entreter-se com ilusões sólidas. Contudo Tichy acha que alguma coisa está errada o que o motiva a escrever um relato e é nesta forma que a obra se apresenta. Não há capítulos e as únicas divisões são as partes datadas pelo próprio personagem em um diário, já que outras temos partes soltas de diálogos e grandes parágrafos de explicações.

Apesar da obra ser curta, a falta de divisões e o texto ser muito descritivo, impedem da obra fluir como poderia. Os parágrafos são densos, como já é estilo de Lem, e o peso nas descrições atrapalham a leitura. A obra tem um tom mais leve e satírico no início, com as piadas sobre a Guerra Fria, com as instituições e como elas rapidamente conseguem perder sentido, vão tornando-se densas entre o meio até a revelação final.

A obra tem uma adaptação cinematográfica baseada (Congresso Futurista - 2013), que traz personagens diferentes vivendo em um mundo parecido. O filme se favorece de uma historia mais dinâmica e mais dramática, divergindo da ironia em quase todo o filme. O mundo das drogas estão lá ainda que sem o peso das reflexões apuradas de Lem apresenta no livro. Ambas as obras estão recomendadas, mas principalmente ler o livro antes do filme.
Leia Mais ››

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Resenha #70 - Kindred - Laços de Sangue (Octávia E. Butler)

Kindred, Laços de Sangue é a primeira obra traduzida para o Brasil de Octávia Butler, primeira mulher negra a ser consagrada como escritora de Ficção Científica, e trouxe para o gênero o tema do racismo e do feminismo em suas histórias. A obra, escrita originalmente em 1979, chega com um imenso atraso (considerando, também, que a autora faleceu em 2006) mas também em um momento necessário no Brasil.

O tema da viagem no tempo, nas mãos de Octávia ganha uma dimensão social e histórica que da vida aos personagens. A história segue Dana, que ao completar 26 anos muda-se com seu marido, Kevin, para um novo apartamento em Baltimore. Então, é inexplicavelmente tragada no tempo e levada ao sul escravista dos Estados Unidos, algumas décadas antes da Guerra Civil. Dana descobre que sua aparição está ligada ao pequeno Rufus, filho do fazendeiro Tom, descendente direto de Dana. Quando Dana salva Rufus da morte suas vidas ficam atreladas e Dana obriga-se a viver fora de seu tempo para garantir a própria existência.

A obra é narrada em primeira pessoa pela protagonista, Dana, que não apenas serve como nossos olhos do presente contrastando com o passado, mas uma personagem que muda com a história e a sente na pele de maneiras horríveis. Rufus também se desenvolve na obra, mostra um homem da sua época tentando, as vezes ser diferente, outras mostrando o pior lado do ser humano.

A reconstrução histórica das dinâmicas sociais do período é brilhante. A tensão entre senhores e escravizados e entre os próprios escravizados estão lá com toda a força. A intensidade dos sofrimentos tornam a leitura muito impactante e até difícil de prosseguir, ao mesmo tempo que Octávia coloca tudo isso numa escrita que dispensa as formas prolixas e fala de forma contundente e direta, prendendo o leitor pelas mais de 400 páginas do livro. Obra mais que recomendada.
Leia Mais ››