segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Resenha #53 - Minority Report (Philip K. Dick)

"Minority Report - A nova lei", é uma coletânea de contos do Philip K. Dick, editada pela Record em 2002. Aproveitando a onda do lançamento nos cinemas e o sucesso, a capa foi copiada tão igual quanto possível ao cartaz do filme. Como o roteiro foi baseado num conto de 60 páginas, a Record decidiu incluir mais nove contos e lançar uma coletânea. Debrucemo-nos em cada conto, para depois falar dos aspectos gerais da edição.

Minority Report já havia sido publicado antes com título traduzido (Relatório de minorias) contudo, em virtude do título do filme vir sem tradução, foi mantido o título original. Conta a estória de John Anderton comissário da polícia pré-crime, uma instituição policial que utiliza "precogs", mutantes capazes de prever o futuro. Tal qual o filme, os policiais prendem os assassinos antes de cometerem um crime e a trama começa quando o nome de Anderton é apontado como um assassino. A estória envolve a existência da própria polícia, contudo, o faz por caminhos diferentes do filme. O conto tem personagens menos "maquiados" que no filme. Anderton é gordo e careca (nada parecido com Tom Cruise, em 2002) e os precogs tem aspecto medonho. A crueza do conto está nos personagens e não na ambientação (enquanto o filme transferiu isso para a ambientação e contratou atores bonitos). É um ótimo conto. (p.11-61)

Em Jogos de Guerra, (War Game) funcionários de uma importadora de brinquedos avaliam produtos vindo de Ganimedes para o mercado da Terra. São eles: Um jogo de realidade virtual onde soldados invadem uma cidadela, uma fantasia de cowboy e uma variante do Monopoly chamada Syndrome. O propósito dos brinquedos é obscuro aos personagens e ao leitor também, não percebem a ideologia guerreira de seus importadores mesmo nos brinquedos vetados. Contudo, a ideologia mais sutil e eficiente está justamente no brinquedo aprovado. (p.63-85)

O que dizem os mortos, (Wath the Dead Men Say) se passa em um futuro onde os mortos podem conversar com os vivos, se mantidos sob certas condições de temperatura. John Barefoot é o RP do recém falecido megaempresário Louis Sarapis, que pretende continuar influenciando sua empresa e aliados políticos enquanto estiver semivivo. Contudo os agentes de conservação não conseguem estabelecer contato até que sua voz começa a aparecer em todos os aparelhos de rádio, telefone e TV. O plot foi aproveitado posteriormente em Ubik, onde o personagem Herbert Schoenheit reaparece. (p.87-160)

Ah, ser um Bolho! (Oh, to be a Blobel!) mostra a vida de George Munster, veterano de uma guerra contra uma raça alienígena, os bolhos de titã. Á narrativa é cheia de ironias utilizando o estranhamento entre a forma humana e a forma de vida unicelular dos bolhos para mostrar nossa incapacidade de conhecermos uns aos outros bem como expor os valores familiares burgueses do relacionamento. Há uma dimensão política do conto, sendo uma crítica aos rumos dos EUA que "assimilam" características dos países com que entram em guerra, como a Alemanha Nazista e, depois, o Vietnã (uma crítica a chamada, "Guerra de corações e mentes"). Uma forma muito criativa de explorar a polissemia da Ficção Científica. 
Formas de vida parecidas com os bolhos aparecem em Clãs da Lua Alfa, porém sem sofrer a mesma repulsa dos personagens. (p.161-185)

Podemos recordar para você por um preço razoável (We Can Remember It for You Wholesale) O conto serviu de inspiração para o filme Vingador do Futuro, que começa apresentando Douglas Quail, um "assalariado de merda" que não tem o tamanho de Schwarzenegger mas deseja ir a Marte. Então, recorre a Rekordações/Rekord para receber um implante de memória de como teria sido a viagem. Após complicações no procedimento a estória segue um rumo muito diferente do filme. O conto aborda o que restaria de nossa identidade se pudéssemos manipular as nossas lembranças e experiências de vida. (p.187-216)

A fé de nossos pais (Faith of Our Fathers) Chien é um funcionário do Partido Comunista de Hanói em uma realidade alternativa em que os comunismo se espalhou pelo mundo, inclusive nos Estados Unidos. Seus problemas começam quando Chien usa um alucinógeno em frente a televisão, durante o discurso obrigatório do Grande Líder, e passa a vê-lo em uma forma não-humana. Não demora muito, Chien se envolve com opositores do partido. A estória vai além do anticomunismo clichê e tem as quebras de barreiras da realidade que o autor questionou em seus escritos. Este conto, assim como o seguinte, fizeram parte da célebre antologia Visões Perigosas, contudo apenas o seguinte foi referenciado na edição. (p.217-260)

A história que acaba com todas as histórias (The Story to End All Stories) É o menor conto de Dick. É carregado do temor da guerra nuclear e também das investigações teológicas do autor a respeito de Deus que tomariam conta de suas ultimas produções. Nesse sentido, conversa bastante com o conto anterior "A fé de nossos pais". Não subestimem pelo tamanho, é um conto que precisa acontecer, na maior parte do tempo na cabeça do leitor, com são os minicontos. (p.261)

A formiga elétrica (The Electric Ant) Gerson Poole, após um acidente, descobre que é uma formiga elétrica, nome pejorativo para androide, porém ele acreditava ser um humano genuíno. É interessante notar que é o caminho inverso do Homem bicentenário de Asimov, um robô consciente de sua condição que luta alçar a condição humana. Já Gerson Poole acreditava ser humano e tem de lidar com sua nova realidade não-humana. Nesse conto, Dick adiantou muitas coisas que seriam tema de "Androides sonham com ovelhas elétricas?". Limites da humanidade e da realidade. (p.263-286)

A segunda variedade (The second variety) Se passa em um mundo devastado pela guerra entre EUA e URSS. As tropas soviéticas, após tomarem os Estados Unidos, são praticamente dizimados por robôs chamados "garras", inicialmente controladas pelos estadunidenses. A estória começa quando um soldado russo vai até uma base americana entregar uma mensagem e Hendricks vai até a base russa investigar. 
As "garras" que parecem drones, logo, tomam formas mais avançadas, explorando e destruindo a humanidade nos soldados. Tudo isso narrado de forma crua, mostrando toda a miséria da guerra, sem nenhum traço de bom humor - como é comum em outros do autor. (p.287-348)

O impostor (Impostor) é a primeira estória do autor sobre o tema "Eu sou humano?". Nela temos Spence Olham, que trabalha num Projeto (indeterminado, relacionado a corrida armamentista) e passa a ser perseguido pelo seu amigo policial que o acusa de ser um robô espião de uma raça alienígena que teria feito uma cópia perfeita da memória do verdadeiro Spence Olham. O que chama a atenção não é apenas a dúvida "sou humano ou não" mas a capacidade de transferir memórias para um robô e este adquirir todas as características. É o transhumanismo abordado décadas antes (1953) do movimento Cyberpunk (anos 1980)! (p.348-367) 

Sobre a edição lida para a resenha: Particularmente não gosto de capas de filme em livros pois as diferenças são tantas que fica algo muito falso. Com exceção de Blade Runner, a maioria das adaptações de suas obras apenas chupam os plots e ignoram as ideias mais profundas do autor que não foram feitas apenas para divertir. Infelizmente a edição foi bastante apressada, pois tem alguns erros de tradução e digitação, porém os contos são muito bons. Vale mais para completar a coleção de contos traduzidos do autor no Brasil do que como porta de entrada a obra de Philip K. Dick. Se você encontrar barato em algum sebo, vale a pena. Se você tem grana para uma edição nova melhor pegar "Realidades Adaptadas" da Aleph mas se você é muito fã do PKD, como eu, fique com os dois.

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